ND do Pântano do Sul

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domingo, 16 de março de 2014

OBITUÁRIO PARCIAL DO PLANO DIRETOR DE FLORIANÓPOLIS

O Plano Diretor Participativo de Florianópolis – PDP, pode ser dividido, para efeito de análise, em três fases bem distintas: 1- A ‘fase do Ildo Rosa’ (2006 até fins de 2008); 2- A fase da ‘interrupção e procrastinação’ patrocinada pelo governo Dario Berger II (início de 2009 até meados de 2012); e 3 – A fase do ‘rolo compressor’ patrocinado pelo governo Cezar Souza Jr. (abril de 2013 até o presente). É sobre essa última fase que atenho a minha análise, a do ‘rolo compressor’, impondo conscientemente, assim optando, limite ao tamanho do texto, uma vez que análise do processo por completo demandaria espaço enorme e o correspondente tempo para compilá-la, tarefa esta que me proponho a fazer com toda calma e no devido tempo. De outra parte, tão pouco me proponho a fazer aqui uma avaliação global do primeiro ano de mandato do governo Cezar Souza Junior, atendo-me somente ao tema em pauta.



Quando a promessa de campanha atropela a lei

Cezar Souza Jr., quando candidato, afirmou e reafirmou insistentemente em sua campanha eleitoral que iria concluir o processo do PDP no seu primeiro ano de governo, e, ao prometer isso, certamente ganhou algum voto. Só não dizia a qual custo para a ‘democracia participativa’ e para a cidade essa meta implicaria. Sua equipe teve como base uma espécie de ‘herança maldita’ deixada pelos dois governos Dario Berger. Esse ‘passivo’ em relação ao PDP se constituía por vários fatores: descrédito crescente em relação ao processo participativo por parte de todos os atores envolvidos; trabalhos técnicos precários e inconclusos; total benevolência para com licenciamentos de obras em detrimento da natureza e da legislação pertinente; e por fim, pré-projeto fantasioso construído baixo a lógica da expansão urbana desenfreada. Somados, oferecem um passivo enorme e difícil de ser administrado. Para cumprir sua processa eleitoral a qualquer custo, sua opção política foi pelo ‘atropelo temporal’ mesclado a ‘ações populistas pseudo-democráticas’, estratégia que demandou uma conseqüência inevitável - driblar a legislação pertinente, particularmente o Estatuto da Cidade (EC).

Para colocar em curso esse estratagema, ignorou por completo a função do Núcleo Gestor Municipal, colegiado que deveria ter, por imposição legal do EC, as rédeas do processo, tornando-o mero ator passivo sem qualquer poder de deliberação: ‘escondeu’ os mapas de condicionantes ambientais para ‘sabotar a curiosidade’ dos ecologistas assim como fez Dario Berger e impôs um tratamento inusitado ao caráter participativo ao promover reuniões nas comunidades para auscultá-las sobre o pré-projeto em elaboração, ignorando totalmente o processo deliberativo acontecido entre 2007 e 2008 por via das Audiências Públicas Distritais que definiram as diretrizes e uma série de demandas. Essa bateria de ‘reuniões/assembléias’, acontecidas já no segundo semestre de 2013, foi um autêntico engodo de democracia, um típico ‘jogo de faz-de-conta’, esculhambadas de propósito para promover um cenário onde imperava a solução de quem falava mais alto. Foi a forma de driblar as bases comunitárias organizadas em torno dos Núcleos Distritais na primeira fase do PDP que certamente ofereceriam resistência a ‘qualquer projeto’.



Estratégias para driblar a lei: atropelar e procrastinar

Essa prática de viés populista, porém, pseudo-democrática, portanto claramente autoritária, demandou algum custo político na medida em que um grupo de resistência liderado pela ‘Bancada Popular do NGM’ denunciou essas manobras que procuraram minar do processo participativo requerido pelo Estatuto da Cidade. A estratégia do ‘rolo compressor’, porém, só foi possível ser desenvolvida porque tramada em conluio com setores do Judiciário, lenientes para com a observância do EC e a legislação ambiental, como se viu nos embates judiciais quando da tramitação na Câmara Municipal. E também contou com outro fator, espertamente avaliado pelo governo municipal, e não menos importante, que foi contar com o ‘fator cansaço’, o desgaste vivido por todos os atores envolvidos no processo que se arrastava por longos sete anos. Esse fator, de caráter marcadamente psicológico, deu asas ao rolo compressor e, mais uma vez comprovou que a ‘estratégia da procrastinação’ é um instrumento eficaz para debilitar a força política do movimento social. Aliás, de qualquer movimento social.

A ‘estratégia política de procrastinar’ não foi novidade no PDP, pois é de longuíssima data largamente usada pelas elites políticas governantes país afora. O MST pode ser tomado, dentre tantos outros exemplos, como um movimento que sofreu um enorme revés em face à utilização dessa estratégia, que, no enrola-enrola de sucessivos governos federais e estaduais, fez minguar o conjunto de militantes envolvidos em suas campanhas e a força de sua maior bandeira – a reforma agrária, no seio da sociedade. Depois de 30 anos, está na lona, grande parte atribuído ao ‘cansaço’, que gerou um desgaste inevitável.

Mas o PDP não ‘sofreu de procrastinação’ somente por parte dos dois governos Dario Berger, porém, também por parte de setores políticos proclamados ‘de esquerda’ que, no intuito de tirar alguma vantagem política na condição de oposição, sabotaram o processo como puderam, muitas vezes impondo questões impossíveis de serem cumpridas em tempo razoável na agenda do processo. A tensão gerada pelos que queriam caminhar ao ‘ritmo das comunidades’ em relação aos que procrastinavam deliberadamente se fez sentir ao longo de todo o processo e dificultou o embate contra as forças que não queriam plano algum aprovado – o setor da construção civil e seus parceiros de sempre, assim como aqueles setores que queriam ver ‘qualquer coisa’ aprovada para se livrar do fardo.

O papel da ‘Bancada Popular do NGM’ que foi importantíssimo no desfecho do PDP, pois herdeira legítima do processo vivido anteriormente ao longo dos sete anos, não somente denunciou o atropelo legal, mas também apresentou inúmeras propostas concretas para colocar o processo novamente nos trilhos, sem, porém, apelar para a ‘estratégia da procrastinação’ já comentada acima. Fez aprovar em reunião ordinária do NGM no dia 5 de setembro de 2013, por 16 votos a favor, 5 contrários e 2 abstenções, a realização das Audiências Públicas Distritais, decisão que o Executivo ignorou solenemente, assim como também propôs um calendário que iria concluir o processo ao final do ano de 2013, decisão que também o Executivo ignorou, embora na prática, temporalmente ambos os cronogramas coincidissem. Prova é que, por iniciativa de dois núcleos distritais de atuação irreparável ao longo do processo – ND do Pântano do Sul e o ND do Campeche, foi realizada uma ‘Audiência Pública Regional Sul’ no dia 9 de dezembro de 2013, no Clube Catalina, que contou com mais de 200 pessoas, com o propósito de analisar um balanço geral da primeira votação do projeto e propor um rol de vetos ao Prefeito sobre emendas na região, o que se consubstanciou por via de um documento entregue a ele e aos vereadores dias depois.



Um ator deliberadamente pouco lembrado no processo

Deliberadamente ‘esquecido’ por parte de alguns grupos políticos na cidade, porém muito importante em se tratando de ‘planejamento urbano’, ressalto o papel desempenhado ao longo do processo do PDP pelo Ministério da Cidade – MC, órgão executivo federal cuja obrigação é acompanhar os processos e exigir os demais órgãos executivos estaduais e municipais a correta execução do Estatuto da Cidade, lei maior nacional do planejamento urbano e tida como uma enorme conquista cidadã do movimento popular brasileiro. Jamais, ao longo de todos os sete anos do PDP, o Ministério das Cidades exigiu de forma contundente a aplicação do EC, nem sequer nos ‘bons dias’ do ministro Olívio Dutra (PT), quando as expectativas alimentavam a esperança de ver cumprida a nova legislação urbana de âmbito federal. Depois entregue a Márcio Fortes (PP) e por fim a Aguinaldo Ribeiro (PP), ainda de posse da caneta, o arranjo para acomodar o PP na base de sustentação do governo Dilma neutralizou na pratica qualquer efetiva intervenção por parte do Ministério no conturbado processo do PDP da capital.

Esse revés, fator paralelo às ações imperiais dos governos municipais, que impôs incalculável prejuízo para a cidadania e para o futuro da cidade, deve ser debitado aos governos Lula e Dilma, ambos do PT, co-responsáveis no plano legal sobre o que acontece no planejamento urbano das nossas cidades. Calaram-se diante da procrastinação levada a efeito por Ângela Amin, que deveria ter dado início ao PDP mas o empurrou para Dario Berger; omitiram-se cabalmente diante dos ‘malfeitos’ patrocinados nos dois governos Dário Berger e, agora recentemente, mais uma vez no governo de Cezar Souza. A política partidária explica: Ministro e Prefeito são filiados ao mesmo partido (PP), compromisso que se sobrepõe às políticas públicas e, aparentemente, também aos ditames da lei. Infelizmente, nessa caso, não há como apelar para ‘embargos infringentes’...



‘Equilíbrio’, a palavra chave para agradar a todos

Vendido como um ‘plano equilibrado’, o projeto apresentado à Câmara Municipal e votado em base na mesma dinâmica de ‘rolo compressor’, adotou uma espécie de ‘sopa de letrinhas’ inovadora: AEA, AUE e outras legendas que, em resumo, oferecem brechas legais para tramar projetos imobiliários difíceis de ser acolhidos em zoneamentos cunhados pelas tradicionais ‘APP’s’ e ‘APL’s’, ainda que mantidas no texto sancionado. A adoção dessas inovadoras categorias de zoneamento incorre em evidente risco, pois colidem com ‘APP’s’, sendo, portanto, passíveis de questionamento jurídico diante da legislação ambiental. Mais uma vez, a ‘estratégia de faz-de-conta’ tirou da cartola uma solução miraculosa: criou-se uma ‘comissão técnica’ restrita e de ‘alto nível’ para dar conta de dirimir os conflitos resultantes desses conflitos legais. E assim, ao invés de caminhar no trilho da lei, a estratégia do rolo compressor promoveu mais ‘insegurança jurídica’, passivo legal e político que demandará futuramente muita paciência e redobrada atenção por parte dos Ministérios Públicos e dos movimentos sociais organizados com foco no tema.



O ‘conjunto da obra’ e o que o futuro nos reserva

A par da vergonhosa tramitação do projeto do PDP na Câmara Municipal, eivada de todo tipo de irregularidades regimentais e afrontas legais, o ‘conjunto da obra’ apresenta uma mistura de aspectos inovadores, alguns dos quais positivos, mesclados com evidente proselitismo programático e dezenas de dispositivos que só Deus sabe quando serão regulamentados, passivo que, pela sua inocuidade prática, compromete a eficácia de grande parte dos avanços obtidos na nova lei.

Se a pergunta for: é melhor que o projeto apresentado pela equipe de Dario Berger? Sim, é bem melhor do que aquele, pois eliminou muito lixo que o projeto ‘CEPA repaginado’ carregava. Se a pergunta for: ele dá conta das propostas deliberadas pelas comunidades e apresentadas por inúmeros setores da sociedade? Não, embora de forma assimétrica atendendo mais algumas que a outras sob o refrão do ‘equilíbrio’, trama esta que procurou conciliar propostas claramente inconciliáveis perante a legislação ambiental, tais como colocar ‘AUE’ (parcialmente edificandi) sobre uma área de ‘APP’ (non edificandi), atendendo, assim, a interesses empresariais e ao mesmo tempo fazendo concessões às demandas emanadas pelas comunidades. Se a pergunta for: o que esperar da aplicação futura da lei? Inconclusiva só pode ser a resposta, pois ela é carente de tantas regulamentações e até mesmo passível de futuras alterações de zoneamento patrocinadas por vereadores ‘no atacado’ e ‘no varejo’, que é prematuro afirmar qual o real ganho que advirá da sua aplicação para nossa futura qualidade de vida.

Na esteira do mais autêntico jeitinho brasileiro, de fato tem-se ‘um plano pela metade’, parte aplicável, parte inaplicável. Note que uma simples canetada do Prefeito no início do mandato invalidou por mera medida administrativa dezenas de alvarás de construção irregulares e para tanto não foi preciso existir Plano Diretor. Bastou vontade política, bom senso e zelo para com a legislação já existente, o que evidencia que ter um Plano Diretor aprovado não significa nenhuma garantia de que ele será efetivamente cumprido, como, de resto, qualquer lei no Brasil, infelizmente.

Estamos, pois, ‘condenados’ a administrar um novo desafio: vigiar; acompanhar; zelar para que o que é aplicável se cumpra de imediato; reverter verdadeiras aberrações patrocinadas por emendas de vereadores; exigir e incidir sobre as regulamentações pendentes, e... Noves fora, o PDP continuará eternamente, ainda que por vezes sem o ‘P’.

Florianópolis, fevereiro de 2014

Gert Schinke

Representante Titular Distrital do Pântano do Sul no NGM e integrante da ‘Bancada Popular no NGM’ desde a sua formação em meados de 2008.

� A p i L J de resto, qualquer lei no Brasil, infelizmente.

Estamos, pois, ‘condenados’ a administrar um novo desafio: vigiar; acompanhar; zelar para que o que é aplicável se cumpra de imediato; reverter verdadeiras aberrações patrocinadas por emendas de vereadores; exigir e incidir sobre as regulamentações pendentes, e... Noves fora, o PDP continuará eternamente, ainda que por vezes sem o ‘P’.

Florianópolis, fevereiro de 2014

Gert Schinke

Representante Titular Distrital do Pântano do Sul no NGM e integrante da ‘Bancada Popular no NGM’ desde a sua formação em meados de 2008.



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