ND do Pântano do Sul

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sábado, 29 de abril de 2017

CARA DE PAISAGEM

Foi esta a expressão fartamente usada pela imprensa na cobertura da divulgação das delações da Odebrecht. Ela retratava a expressão facial lacônica, incógnita, de perplexidade, ostentada pelos parlamentares em todo país, mas especialmente no Congresso Nacional, diante da divulgação dos autos das delações dos dirigentes daquela empresa, que atingirão inexoravelmente a maior parte da elite do mundo político nacional. Pois é a mesma ‘cara de paisagem’, pasme, embora por razões bem diferentes, que eu e muitos colegas do Núcleo Gestor Municipal ostentamos quando vivenciamos os mais recentes acontecimentos e soubemos dos desdobramentos judiciais que repercutirão no processo de finalização do Plano Diretor Participativo.

A coisa vinha se encaminhando nos últimos meses de maneira relativamente boa, pois o colegiado conseguiu quase terminar o ‘rebatimento’ sobre as emendas apresentadas pelos diversos setores nele representados. O saldo final desse cotejo identificou em torno de 90 dissensos envolvendo emendas ao texto e de mapas do anteprojeto em discussão.

O ‘rebatimento’ é uma ferramenta de compilação de textos longos que serve para detectar incongruências, divergências, erros ortográficos, jurídicos, de estilo, dentro outros quesitos, processo de trás à tona os dissensos, lá onde se percebe não haver concordância entre uma emenda e o teor do texto, ou mesmo, em relação à outra emenda apresentada. Esta ferramenta não só é extremamente útil, quanto necessária em casos de maior complexidade.

Feito isso, a idéia era, por último, votar no colegiado estes dissensos de forma a apresentar para a Câmara Municipal um retrato mais fiel à maioria do colegiado sobre o anteprojeto, porém, não eliminando as propostas minoritárias, mas apensando-as ao anteprojeto a ser encaminhado aos vereadores. Este processo, eivado de democracia e transparência, como sempre se deseja, iria fortalecer a posição do Núcleo Gestor Municipal diante da Câmara Municipal, de forma a inibir a sanha das retaliações ao texto, como aconteceu quando da votação da atual lei em vigor, em fins de 2013.

O IPUF e sua bancada no colegiado se mostraram insensíveis diante do reclamo de várias representações para acertar ‘as regras do jogo’ sobre as votações, o ‘regimento das votações’, condição sine qua non para realizá-las dignamente. Este regimento determinaria, inclusive, o destino das propostas minoritárias, dentre outras questões de finalização do anteprojeto. Rompida a confiança básica para prosseguir o jogo, ele continuou de outra forma.

Não havendo acerto quanto ‘as regras do jogo’, vários representantes iniciaram uma campanha de ostensivo boicote às reuniões ausentando-se delas, dificultando o quorum, condição regimental para a reunião iniciar e existir formalmente. De um lado, um grupo pequeno motivado por interesses partidários, atitude puxada pelo grupo ‘lulopetista’. De outro lado, outro grupo pequeno motivado por interesses claramente econômicos, atitude puxada pelas entidades ligadas ao setor imobiliário, pois a procrastinação lhes convém diante da atual lei que lhes é bastante conveniente e temem que a que virá lhes imputará restrições para seus projetos. Embora fossem pequenos, ambos os grupos se somaram na estratégia de esvaziamento do colegiado e da procrastinação deliberada do processo, colocando seus interesses corporativos (partidário e econômico, bem entendido) à frente do conjunto da cidade que clama para ter uma lei melhor de ordenamento urbano que a que está em vigor.

Noves fora, as cinco últimas reuniões do colegiado, todas concentradas no mês de abril, não obtiveram quorum, o que resultou na NÃO VOTAÇÃO dos dissensos levantados no processo de rebatimento. Lamentável, pois nisso se perdeu muita energia e tempo precioso das nossas vidas, mas, principalmente, a possibilidade de se chegar à Câmara Municipal com um anteprojeto portando mais consenso. A vigorar o quadro, ela se tornará certamente num palco de acirradas escaramuças, indicando um desfecho incerto e temeroso, dados os antecedentes, especialmente para os setores populares. O clima é de desalento, de desânimo diante do quadro, que, a meu ver, será muito difícil reverter, dado o histórico de comportamento por parte de várias representações ao longo do processo, agora se encaminhando para onze anos de constante desgaste político.

Minha análise preliminar sobre o conjunto do texto, excluídos os dissensos, se apresenta consideravelmente MELHOR que o plano atual, LC 482, assim como também os mapas de zoneamento distritais e da cidade no conjunto, embora alguns ainda careçam de ajustes para lhes dar um perfil mais fidedigno às diretrizes votadas pelas comunidades distritais nas audiências públicas de 2008. Esta é uma condição (a de atender àquelas diretrizes) determinada pela sentença judicial que obrigou a prefeitura a realizar a bateria das 13 audiências no ano passado. Por este ângulo, há limites muito claros para o IPUF inventar monstruosidades ou deturpações grotescas, pois a moldura geral foi estabelecida nas audiências deliberativas de 2008. Isto, porém, não impede que ele insira no texto, assim como os zoneamentos urbanos e demais peças do anteprojeto, brechas para atender este ou aquele interessado particular, ou, por vezes, um segmento inteiro da sociedade, normalmente bem articulado nos meandros do poder.

Eis que, na semana passada, o colegiado conheceu uma sentença proferida por um juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, que na prática anula o processo de rebatimento e coloca nas mãos do IPUF a tarefa de finalizar o anteprojeto imediatamente, realizar a última audiência pública geral na cidade e encaminhar a peça para a Câmara Municipal, esvaziando o papel do Núcleo Gestor Municipal nesta reta final dos seus trabalhos, justo na contramão do que se estava tentando fazer. Lamentável, e mais um percalço no tumultuado caminho de, finalmente, se conseguir montar uma peça de forma democrática, transparente e, sobretudo, chancelada pela efetiva PARTICIPAÇÃO POPULAR. Esta, ainda que determinada em lei, atropelada várias vezes pelas administrações anteriores. Daí o porquê na nossa ‘cara de paisagem’, aquela quando se olha pensativo para o horizonte

O que virá a seguir. Diante do calendário já definido pelo próprio Núcleo Gestor Municipal, o IPUF chamará a Audiência Pública Municipal Geral, provavelmente para o dia 15, à noite, a ser realizada na ALESC. Logo em seguida chamará a Conferência da Cidade, evento estabelecido na Resolução 25 do Conselho Nacional das Cidades, no qual o colegiado do Núcleo Gestor Municipal será o protagonista para checar a versão final que será enviada à Câmara. Encerrar-se-á assim, pois, de forma claramente protocolar e carente de chancela popular, caso o colegiado não consiga realizar esta tarefa, um processo rico de discussão e construção coletiva do anteprojeto no âmbito do Núcleo Gestor, empurrando para a Câmara resolver as pendengas, justamente na arena onde residem os maiores riscos políticos para eliminar as diretrizes comunitárias do texto e dos mapas. Seria ainda mais lamentável, caso vigore esta agenda de ‘fim de festa’ para um PDP que consumiu onze anos de incontáveis aportes voluntários e imensos recursos públicos.

Nossa representação trabalhará junto aos pares para que se restabeleça um clima político que faça reunir novamente o colegiado, almejando que com isto cumpra seu papel maior de ordenar o processo do PDP na sua reta final e acompanhá-lo na Câmara Municipal até a sanção da lei por parte do prefeito. Comece a rezar comigo para que isso ainda se dê em 2017, para o bem de um futuro melhor para nossa cidade.
Florianópolis, 20 de abril de 2017

Gert Schinke – Representante Titular Distrital do Pântano do Sul no NGM-PDP

Um comentário:

  1. Como alguém preocupado com a cidade e o futuro dela, um cidadão comum, mas de olho neste assunto, fico realmente triste por saber que ainda há esquema nas prefeituras e órgãos para alimentar e atendem interesses próprios, privados ou de setores econômicos. O Plano Diretor Participativo, obrigatório, deveria ter na sua essência as demandas do coletivo do distrito em questão, mas o que vemos é que sempre usam a máquina administrativa e o poder concedido a ela para justificar suas ações que acolhem os interesses dos parceiros. Vejo que há a necessidade da participação ainda maior das pessoas neste assunto, participando das reuniões, debatendo, para que esta pressão realmente mude a atitute daqueles que colocamos no poder.

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