Esse texto visa
apresentar uma análise crítica do anteprojeto de lei apresentado pela PMF na
seqüência de audiências públicas durante o mês de abril de 2012, na forma de um
parecer. É o primeiro passo, por óbvio
NÃO CONCLUSIVO, que recomenda, ao final,
fortes intervenções supressivas no corpo do texto apresentado pela PMF.
Logo de início, a
título de introdução, o anteprojeto salienta em suas “observações importantes”
que ele está aberto a alterações “sem alterar o sentido e idéia expressos no
texto”, explicitando o temor de ver o texto modificado substancialmente em seu
conteúdo ao longo do processo de discussão
em curso. Infere-se
dessa recomendação uma
certa arrogância e
postura antidemocrática, pois lhe atribui um status que ele não tem – de
carregar uma legitimidade e coesão resultante de um amplo e democrático debate
na cidade.
Esse temor é
compreensível diante dos antecedentes que propiciaram sua compilação ao
longo de
no mínimo três
anos. Inicialmente elaborado
pela CEPA, a
partir de 2009, posteriormente sofreu várias
alterações, embora não substanciais, da Comissão Especial no âmbito da PMF
criada pelo Prefeito em 2011 no processo de retomada do PDP, para debruçar- se
sobre o texto produzido pela CEPA, com vistas a produzir este anteprojeto.
Trata-se de uma peça
legislativa de grande complexidade e envergadura, que, a par da sua dimensão –
373 Artigos e 31 Anexos, inegavelmente é produto de uma
“inteligenzzia”, aqui entendida como “capacidade de formulação teórica e
técnica”, e que partiu de determinadas premissas teóricas para lhe dar a
moldura, o perfil e a amplitude que ora apresenta.
A premissa básica de
que parte do anteprojeto é a de que essa lei oriente todo o processo de
desenvolvimento da cidade, extrapolando
clara e premeditadamente os objetivos de uma lei que se limite ao planejamento
urbano e uso e ocupação do solo, assim como de seu sistema de gestão. A ementa
do projeto de lei complementar é clara:
“INSTITUI A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE
FLORIANÓPOLIS, O PLANO DE USO E OCUPAÇÃO, INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS E SISTEMA
DE GESTÃO”. Quando remete à política de desenvolvimento urbano embute, portanto, uma determinada visão de
“desenvolvimento”, de “modelo
de cidade” que,
obviamente, não se
limita ao aspecto meramente “urbano” desse pretendido
desenvolvimento, mas agrega um determinado perfil de “sustentabilidade sócio-ambiental”, jargão
exaustivamente utilizado ao
longo do texto
e turbinado pelo conceito da “Reserva da Biosfera em Ambiente Urbano”,
criação da ONU que não vingou em lugar algum no mundo.
Trata-se de um “grife
ambiental”, na melhor das hipóteses, que procura emprestar um verniz mais palatável
a qualquer coisa
que se queira
apresentar como sendo
mais “sócio- ambientalmente
sustentável”. Essa “grife ambiental” foi acolhida pelos setores econômicos e
políticos interessados em “vender a marca da cidade” como sendo ambientalmente
aprazível, virtualmente “avançada” em seu planejamento e gestão urbana, pronta
para acolher fluxo turístico de todo
mundo. Em última análise, uma tentativa de colocar Florianópolis no mapa do
turismo mundial. Daí porque se entende
tanto temor em possível “alterações de sentido” no anteprojeto, ao
mesmo tempo em que se
entende o porquê
do esmero e
a meticulosa lapidação do
conteúdo aportado ao Título 1º - Da Política de Desenvolvimento Sustentável.
Contudo, embora
partindo no Título 1º com essa exuberante e prolífica redação, logo adiante
se percebe a
forma que assume
o “desenvolvimento sustentável”
que se expressa
nos capítulos seguintes e Anexos
correspondentes, que, no conjunto, geraram um monstrengo legislativo
obeso, com profusão de partes contaminadas
com meras “intencionalidades” e, acima de tudo, apresentando graves lacunas do
ponto de vista técnico/científico no
retrato espacial dos diagnósticos e das propostas, traduzidos no leque de mapas
anexos. Estes pretendem retratar os
conceitos básicos colocados no Título 1º, assim como nos demais que lhe
sucedem, que, por sua vez, desdobram esses conceitos em quesitos e detalhes
técnicos ali contidos.
É pública e notória a
crítica que diversas representações com assento no NGM fizeram à ausência dos
mapas de “condicionantes legais
ambientais”, que embasariam os mapas de macro-zoneamento e os subseqüentes,
objeto que também foram de requerimento feito pela FEEC junto à PMF, com base
na LAI – Lei de Acesso à Informação, o
qual até o presente momento ainda carece de resposta.
Ao se posicionar
dessa forma diante da redação do texto, seus mentores tiveram como objetivo
maior garantir a sua visão de desenvolvimento, que oferece a base para todo o
processo de planejamento urbano na cidade para as próximas décadas. É evidente
essa intencionalidade política espelhada na forma e na dimensão conferida ao
projeto – forte expansão urbana com base
em alto crescimento
populacional. Essa hipertrofia,
por sua vez,
também é uma intencionalidade, que visa, acima de
tudo, dificultar uma efetiva apropriação de seu conteúdo por parte da
população, e, caso venha a se manter dessa forma enquanto instrumento legal,
embolar a legislação de modo a torná-la ineficiente, de difícil aplicabilidade.
O diagnóstico estrutural
do anteprojeto aponta
os seguintes dados:
4 TÍTULOS, mais
DISPOSIÇÕES
PRELIMINARES e DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, divididos em 38
CAPÍTULOS, que
contem 76 SEÇÕES,
10 SUB-SEÇÕES, que,
ao final, conformam
373
ARTIGOS, dezenas de
PARÁGRAFOS e ITENS, além de 31 ANEXOS. Em meio ao texto são citados 80
PROGRAMAS, dos quais 62 do PDP e mais 18 do PIMSB – Plano Integral Municipal de
Saneamento Básico, além de mais 13 PLANOS SETORIAIS, arrolados nos Artigos 298
e
369.
Outra “premissa
teórica e técnica” que embasa o anteprojeto é a de partir de uma certa
“inevitabilidade” de crescimento populacional, tomando como base as projeções
demográficas correntes do IBGE que apontam a
cidade com 800 mil habitantes em
2030, praticamente o dobro da população atual. Essa medida se traduz na
permissividade de uma forte expansão urbana em áreas hoje pouco adensadas ao
redor daquelas atualmente muito
adensadas, visando acolher esse influxo de redondos 350 mil supostos novos
moradores, e, para tal, lhes proporciona o devido “lócus urbano”, concentrado essa expansão em duas “macro- centralidades” – norte da ilha e
região centro-sul, invadindo a planície entremares. Por outro lado, ao acenar
com as “micro-centralidades”, faz delas
vetor de forte expansão urbana em regiões impróprias, vez que catapultadas por instrumentos complementares que o projeto
propõe, como as OUC’s, ADI’s e “projetos deflagrantes”, entre outros.
Produz-se assim mais
um desastre que parte de uma premissa falaciosa, quando lhe atribui
“inevitabilidade” na projeção de crescimento que utiliza para embasar o
projeto. Essa premissa deveria ser substituída por um conceito que parte da real capacidade de suporte
ecológico, especialmente da Ilha de Santa Catarina, e do princípio da precaução,
largamente utilizado na
legislação ambiental
vigente. Diante destes, a projeção sequer fará sentido, uma vez que são esses
quesitos que determinarão o montante de
“acréscimo desejável” na população que poderá ser acolhida, e não um fato dado
- a estimativa com base na taxa de crescimento atual.
No Artigo 8º do
Capítulo I do Título 1º, apresenta os “Projetos Deflagrantes” como fórmula para
dar conta da premissa anteriormente colocada. Essas propostas “deflagrantes”
elencadas uma a uma nos Capítulos II, III, IV e V, por sua vez, em sua grande maioria conflitam com as
perspectivas e propostas emanadas na fase da “leitura comunitária” do PDP, que
redundaram nas “diretrizes comunitárias” deliberadas nas Audiências Públicas
Distritais, realizadas em fins de 2007 e início de 2008. Portanto, são
perfeitamente dispensáveis no conjunto da proposta, supressões estas que viriam
a recolocar o projeto nos trilhos
do processo “participativo”, emprestando-lhe maior qualidade e legitimidade. Fato é que, com raras exceções,
há uma “grita geral” e grande mal-estar em relação ao conflito gerado entre as propostas que as comunidades
elencaram, e as que o projeto atribui como “sendo das comunidades”, conflitos
estes que se apresentam desde o mapa de macro-zoneamento, mas permeiam todos os
de micro-zoneamento e do sistema viário.
Para mera lembrança,
foi essa “dissintonia” geral presente no anteprojeto produzido pela CEPA que
desencadeou a forte manifestação da
população contra o mesmo na Audiência Pública Municipal de
sua apresentação – a chamada
“revolta do TAC”,
em 2009. Portanto,
as recomendações que trago abaixo visam, acima de tudo, manter coerência
com aquela rejeição política.
Embora a PMF
reitera que levou
em conta as
diretrizes deliberadas pelas comunidades, já se observou claramente
no texto e nos diversos mapas anexos no anteprojeto que isso não procede.
Ainda no
Título 1º, desde
o seu Capítulo
II que trata
dos “projetos deflagrantes
para o ordenamento territorial”, o Capítulo III, que trata dos
“projetos deflagrantes de paisagem e valorização histórica”, o Capítulo
IV, que trata dos “projetos deflagrantes
da mobilidade e acessibilidade”, o Capítulo V, que trata dos “projetos deflagrantes de saneamento básico”,
culminando com o Capítulo VI, que trata dos programas de habitação social,
todos eles, sem exceções, acolhem o discurso do desenvolvimento sustentável e
do conceito da Reserva da Biosfera em Ambiente Urbano, já comentado acima.
Percebe-se aí uma
clara contradição estrutural no anteprojeto, ao verificar que alguns “Planos
Setoriais” estão nele contemplados, ao passo que outros não, atendendo a um
critério seletivo de importância conceitual e valoração política. O conflito
consiste em que, paralelamente ao PDP, diversos “planos setoriais” tomaram
corpo ao longo dos últimos anos, via de regra por força de
dispositivos legais que
impõe prazos, e
foram sendo aprovados
em Audiências Públicas Municipais
e enviados à Câmara Municipal, onde tramitam, acarretando evidente dissintonia
com o processo do PDP. Por força dessa situação, o melhor seria extirpar do
anteprojeto os “planos setoriais” no conjunto, fazendo menção aos mesmos de
forma genérica e por via dos critérios de ocupação do solo, o que viabilizaria
o cotejo e acolhida das propostas desses planos setoriais mais adiante, e a luz
de um debate mais qualificado com a sociedade. Claro exemplo disso é o Plano
Integrado Municipal de Saneamento Básico, já em tramitação na Câmara Municipal,
assim como o de Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, que trata,
entre outras coisas, das chamadas “ZEIS” – Zonas Especiais de Interesse Social.
Em atendimento à
leitura e visão externada acima, o Título 1º, com exceção do Capítulo I, o qual
poderá ser aproveitado parcialmente até o seu Artigo 7º, deverá ser totalmente
extirpado do anteprojeto, totalizando 40 Artigos nessa mesma condição (do Art.
8º ao Art. 47º). Caso se faça necessário, é possível transferir alguns desses
dispositivos para outros Artigos contidos em Títulos posteriores, sem que isso
venha a ferir diretrizes e questões que foram emanadas na primeira fase do PDP,
como já mencionado.
Essa “extirpação
conceitual” trará ao texto do anteprojeto um novo perfil, mais enxuto, mais
objetivo, pois menos eivado de
“intencionalidades”, eviscerado da grife marketeira proposta pela CEPA,
e, acima de
tudo, mais sintonizado
com as propostas
deliberadas pelas comunidades e
segmentos sociais, por via de seus inúmeros eventos realizados ao longo do
tortuoso processo do
PDP. Retoma o
trilho da cidade
com menor crescimento,
menor expansão urbana, mais lenta, sintonizado com nosso desejo.
Está aí, portanto, um
ponto de partida para a revisão do anteprojeto da PMF, totalmente aberto ao acolhimento
de bem vindas complementações.
A seguir, o relatório
recomendando as alterações supressivas totais e parciais, e aditivas totais e
parciais a serem operadas nos diversos TÍTULOS, CAPÍTULOS e ARTIGOS, assim como
em relação aos ANEXOS:
TÍTULO I: Da Política
de Desenvolvimento Urbano
CAPÍTULO I: Dos
princípios, objetivos e diretrizes de desenvolvimento sustentável de
Florianópolis.
Artigo 4º, Item I:
inserir o termo
“ecologicamente” em meio
à expressão
“desenvolvimento
sustentável”;
Artigo 6º, Item VI:
supressão total do item (trata da RBAU);
Artigo 8º: supressão
total do artigo (trata dos “projetos deflagrantes”).
CAPÍTULO II,
CAPÍTULO III, CAPÍTULO
IV, CAPÍTULO V
e CAPÍTULO VI:
supressão
completa desses
capítulos, a partir do Artigo 9º até o 47º.
Justificativa:
Nestes Capítulos são
mencionados 80 programas,
conteúdo que confere o caráter de prolífica “intencionalidades” no texto, deixando para
“sine die” a implementação desses programas ali mencionados, e jogando nas costas das futuras administrações
um verdadeiro “abacaxi legal”.
O Capítulo III,
que trata da
“valorização histórica” pode,
por exemplo, ser perfeitamente incorporado em suas teses, no Capítulo IX
do Título 2º - “Da paisagem e do patrimônio cultural” –
Artigo 156 em diante. Já o Capítulo VI, que trata dos “programas de habitação
social”, pode perfeitamente ser incorporado em suas teses centrais ao Capítulo
XI do Título 2º - Do Zoneamento de Interesse Social – Artigo 223 em diante.
TÍTULO 2º - Plano de
Uso e Ocupação do Solo
CAPÍTULO I: Do
Zoneamento
Artigo 48: insere
novo item “II” e renomeia o atual e os posteriores:
II – Macrozona Núcleo
Natural 1 (ZNN 1), parte do território reservada por um prazo de um ano,
renovável por igual período, para acolher futura unidade de
conservação cujo projeto
técnico se encontra
em tramitação na administração pública municipal.
Justificativa: É uma
forma de blindar temporariamente áreas passíveis de criação de UC’s, enquanto
seus projetos são analisados pela administração.
CAPÍTULO II: Do
Zoneamento Ambiental e seus Instrumentos
Sessão I: Das
Unidades de Conservação
Artigo 49: dar nova
redação aos problemáticos parágrafos 2º e 3º
CAPÍTULO III: Das
Áreas Especiais de Intervenção Urbanística
Seção VII: Áreas
Prioritárias Para Operação Urbana Consorciada – OUC – Artigos 72 e 73:
supressão total da
Seção.
Seção VIII: Áreas de
Desenvolvimento Incentivado – ADI – Artigos 74 e 75: supressão total da
Seção.
Justificativa: As
propostas das “OUC e das “ADI” emanam da visão apresentada no Título 1º,
trazendo oportunidades de grandes intervenções urbanas em áreas que, como já
comentado, a grande maioria das comunidades não as desejam, por força de outra
visão de desenvolvimento sócio-ambiental, mais lento, mais ecologicamente equilibrado, que nelas
restringe em maior grau a expansão urbana.
TÍTULO 3º - Dos
Instrumentos Urbanísticos
CAPÍTULO VIII: Da
Outorga Onerosa do Direito de Construir – Artigo 272: supressão total do Capítulo.
Justificativa: Instrumento
de difícil aplicação e que se presta a todo tipo de artifícios ilegais, como
observado nas situações em que foi utilizado País afora.
CAPÍTULO X:
Das Operações Urbanas
Consorciadas - OUC
– Artigos 274
a 277:
supressão total do
Capítulo.
Justificativa: Já
contemplada por exposição anterior que tratou da supressão das “OUC”.
CAPÍTULO XIII: Do
Detalhamento das Normas
Seção I: Dos Planos
Setoriais – Artigos 298 a 300: supressão total da Seção.
Justificativa: Já
contemplada acima ao tratar das “intencionalidades” aportadas ao Título 1º,
quando traz uma profusão de programas.
TÍTULO 4º - Do
Sistema Municipal de Gestão Integrada do Plano Diretor
CAPÍTULO IV: Da
Agência de Desenvolvimento Urbano de Florianópolis – Artigos 341 a
346: supressão total
do Capítulo.
Justificativa: A
“Agência de Desenvolvimento” introduz um corpo exógeno no sistema, tirando
atribuições que atualmente são exercidas
pelo IPUF, o qual se pretende fortalecer em sua estrutura funcional, técnica e
administrativa, ao contrário da política atual de sucateamento e ineficácia nas
suas atribuições.
CAPÍTULO V: Do Fórum
de Integração Entre Secretarias Municipais – Artigos 347 e 348:
supressão total do
Capítulo.
Justificativa:
Fórmula claramente dispensável diante de outros mecanismos de gestão e que pode
ser implementada por via meramente
administrativa de acordo com os programas e planos de governo das futuras
administrações municipais.
DISPOSIÇÕES FINAIS E
TRANSITÓRIAS:
Artigo 372: Substitui
a expressão “180 (cento e oitenta dias)”, por “30 (trinta) dias”.
Justificativa: o
prazo proposto de 180 dias é totalmente exagerado e deixa a cidade a mercê da
lei, literalmente em “limbo legal” de planejamento e regramento urbano por
longos 150 dias, na medida em que o Artigo 373 revoga a Lei Complementar 01/97
e a Lei 2193/85 com suas respectivas emendas, que configuram o atual PD.
ANEXOS:
ANEXO A - Mapa de
Macrozoneamento: supressão total para ser refeito.
ANEXO B - Mapa de
Zoneamento Ambiental: supressão total para ser refeito.
ANEXO C - Mapa de
Micro-zoneamento: supressão total para ser refeito.
ANEXO D - Mapa do
Sistema Viário: supressão total para ser refeito.
ANEXO E - Mapa das
Áreas Especiais de Interesse Social: supressão total para ser refeito.
ANEXO I: Mapas das
Operações Urbanas Consorciadas: supressão total.
É o parecer.Florianópolis,
junho de 2012
Gert Schinke
Obs: Parecer
chancelado pelo Núcleo Distrital do Pântano do Sul na reunião de 20.06.12
Nenhum comentário:
Postar um comentário