ESTELIONATO PARTICIPATIVO
Ou
de como Cezar Souza Jr. terminou o que Dario Berger havia iniciado
Até o ano passado, importantes atores
políticos na cidade afirmavam que haviam sido realizadas mais de 1.200 ‘reuniões’
desde o início do processo do PDP. Virado o ano, começaram a afirmar que foram
1.500 as ‘reuniões’ havidas em torno do PDP. E agora sapecam o número de 1.700
‘audiências públicas’, pasmem, a exemplo da informação dada pelo Presidente da
Câmara Municipal, em entrevista à CBN na manhã do dia 22.11.13, em meio aos apuros
com a Justiça. Esse premeditado inflamento do número de reuniões, claramente
mentiroso, indiferente de quem o propala, serve a um único propósito: afirmar a
legitimidade da proposta encaminhada pela PMF para a Câmara, tratando-a como ‘imaculada’,
já que ‘exaustivamente discutida pela sociedade’. E sabemos o propósito dessa
informação: blindar a todo custo o projeto para evitar o seu escrutínio pelas
comunidades distritais por via das Audiências Públicas Distritais, onde ele
seria criticado e submetido à deliberação em cotejo com as diretrizes que elas
próprias haviam deliberado nos idos de 2007/08. A mentira em torno desses
números fantasiosos, portanto, tem que ser denunciada em face ao verdadeiro
processo vivido.
Primeiramente é necessário distinguir entre
uma ‘Audiência Pública’, seja de abrangência municipal, seja distrital ou de
segmento social, de centenas de reuniões de organização e de debates não
necessariamente deliberativos que houve ao longo desses sete tumultuados anos.
Ao se colocar esses encontros num mesmo nível de qualidade, além de confundir a
população, também se opera a corrosão da verdadeira dimensão que tomou o
processo. Como diz o jargão: ‘uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa’.
As cerca de 50 reuniões que a Prefeitura alega ter feito na fase final do PDP,
não passaram de meras reuniões como diz o nome, mal convocadas, muitas sequer
convocadas publicamente, sem qualquer regime de funcionamento e deliberação,
palco para quem gritava mais alto. Isso é tudo menos Audiência Pública que
requer regramento, critérios de votação e objeto preciso de deliberação, e
obrigatoriamente convocadas com no mínimo 15 dias de antecedência.
O levantamento abaixo, feito com base no
acervo documental reunido com muito esforço pela ‘bancada popular’ do Núcleo
Gestor Municipal - NGM, recentemente extinto unilateralmente pela PMF, aponta a
realização de 40 audiências públicas, somadas as de caráter municipal com as de
caráter distrital. Esse levantamento, ainda que parcial, está muito próximo da
realidade, porquanto houve mais algumas poucas audiências sub-distritais ao
longo dos anos de 2008 e 2009, das quais não temos registros precisos. Porém, são
muito poucas as que não estão relacionadas na tabela. Ainda que se exagere o
número das faltantes, não se chegará a 50 audiências públicas no total. Daí a
dizer que foram 1.700 é uma longa distância e só comprova que essa mentira,
além de imoral, é usada de má-fé. Audiências públicas também não se confundem
com seminários, debates, mesas-redondas e um leque de outras atividades de
elaboração ao longo do PDP.
Essa deslavada mentira se combina com outra
falácia: a de que se discutiu por ‘longos sete anos’, reforçando a dimensão
temporal, pois o PDP foi interrompido por duas vezes ao longo desse tumultuado
período por culpa dos rompantes autoritários do governo anterior (fins de 2008
quando Dario extinguiu o NGM), atitude que ‘fez escola’ para o atual. Cezar
Souza Jr., o qual retomou os trabalhos do NGM apenas em fins de abril desse
ano, colocou o colegiado em posição de ‘adorno institucional’, ignorou suas
deliberações e, por último, pela segunda vez o extinguiu, ignorando seu
Regimento Interno e colidindo como o Estatuto da Cidade.
RELAÇÃO DE TODAS AS
AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REALIZADAS NO DECURSO DO PDP ENTRE 2006 E 2013
Nr.
|
LOCAL e ABRANGÊNCIA
|
DATA
|
OBJETIVO
|
01
|
TAC
– Municipal – PMF
|
Junho
de 2006
|
Inaugurar
o processo
|
02
|
TAC
– Municipal – PMF
|
Agosto
de 2006
|
Deliberar
composição do NGM
|
03
|
Distrital
Pântano do Sul
|
27.11.06
|
Eleger
representação
|
04
|
Distrital
Campeche
|
Fins
de 2006
|
Eleger
representação
|
05
|
Distrital
Ribeirão da Ilha
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
06
|
Distrital
Lagoa da Conceição
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
07
|
Distrital
Barra da Lagoa
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
08
|
Distrital
Rio Vermelho
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
09
|
Distrital
Ratones
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
10
|
Distrital
Ingleses
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
11
|
Distrital
Canasvieiras
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
12
|
Distrital
Sto. Antônio de Lisboa
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
13
|
Distrital
Sede-Ilha
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
14
|
Distrital
Sede-Continente
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
15
|
Distrital
Cachoeira do Bom Jesus
|
Início
de 2007
|
Eleger
representação
|
16
|
Distrital
Pântano do Sul
|
12.12.07
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
17
|
Distrital
Campeche
|
13.12.07
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
18
|
Distrital
Rio Vermelho
|
14.12.07
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
19
|
Distrital
Ribeirão da Ilha
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
20
|
Distrital
Lagoa da Conceição
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
21
|
Distrital
Barra da Lagoa
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
22
|
Distrital
Ratones
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
23
|
Distrital
Cachoeira do Bom Jesus
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
24
|
Distrital
Ingleses
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
25
|
Distrital
Canasvieiras
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
26
|
Distrital
Sto. Antônio de Lisboa
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
27
|
Distrital
Sede-Ilha
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
28
|
Distrital
Sede-Continente
|
Início
de 2008
|
Deliberar
diretrizes distritais
|
29
|
Sub-distrital
no Pântano do Sul
|
10.04.08
|
Definir
diretrizes do ‘sub-núcleo’ NDA
|
30
|
Sub-distrital
na Costeira do Pirajubaé
|
Meados
de 2008
|
Deliberar
diretrizes da região
|
31
|
Clube
XII – Municipal – PMF
|
03.07.08
|
Apresentar
todas as diretrizes
|
32
|
Câmara Municipal – Municipal
|
14.05.09
|
Retomar o processo e o NGM
|
33
|
Cine Ritz – Municipal – PMF
|
19.11.09
|
Apresentar o projeto da CEPA
|
34
|
TAC – Municipal – PMF
|
18.03.10
|
Aprovar o projeto da CEPA
|
35
|
Sub-distrital no Monte Verde
|
2010
|
Deliberar diretrizes da região
|
36
|
Clube XII – Municipal – PMF
|
27.03.12
|
Apresentar novo projeto da PMF
|
37
|
Distrital no Rio Vermelho
|
2012
|
Eleger nova representação
|
38
|
Distrital na Lagoa da Conceição
|
2012
|
Eleger nova representação
|
39
|
ALESC – Municipal – PMF
|
17.10.13
|
Discutir novo projeto da PMF
|
40
|
ALESC – Municipal – CMF
|
06.11.13
|
Discutir PLC tramitando na CMF
|
Na tabela acima, você notará claramente que
ao longo dos anos de 2007 e 2008 se concentraram a ampla maioria das audiências
públicas, pela simples razão que a PMF então estava colaborando com o processo,
ainda que pesem críticas à intensidade e à qualidade dessa colaboração.
Suspendendo o processo e extinguindo o NGM ao final de 2008, Dario Berger
iniciou a corrosão participativa do PDP que, ao final, teve como
grão-estelionatário político do seu caráter participativo e segundo algoz do
NGM, o atual prefeito Cezar Souza Jr. Este operou uma perversa estratégia política
de esvaziamento do PDP que combina o afastamento das instâncias de base
constituídas pelo PDP ao longo do processo – os núcleos distritais, com a
sabotagem premeditada ao bom funcionamento do NGM – ignorando suas deliberações
dentre outros fatores, assim como a sabotagem ao acesso de dados e informações
técnicas, a exemplo dos mapas de condicionantes ambientais, que se supõe existam,
mas jamais apareceram, fato que imputa responsabilidade ao governo anterior que
agia de forma semelhante ao procrastinar e esvaziar o processo.
Ao mover a discussão em torno do projeto
diretamente com indivíduos, o governo desconstruiu o processo participativo
anteriormente construído coletivamente em torno dos núcleos distritais e
entidades civis representativas. Contornando-os, driblou sua força política
e ignorou a legitimidade de suas propostas, agora chamuscadas por ene demandas de
índole claramente privada que, isso é o pior, também ignoram ‘o predomínio do
interesse público sobre o privado’, princípio que alimentou a discussão na fase
anterior do processo. Essa é uma razão dentre tantas, que explica o número
imenso de emendas, sempre lembrando que ele é tomado como ‘exaustivamente
discutido’ por parte de quem defende essa forma de falsa participação popular,
o que gerou a combinação de ‘retaliações de varejo’ com ‘retaliações de
atacado’, que também apareceram. Ao final, o monstro que se pretendia evitar,
apareceu na forma de uma colcha de retalhos, resultado do cabal equívoco no
método adotado pela PMF.
Com a não realização das ‘audiências públicas
distritais’, uma das razões que fundamentou a ACP impetrada pelo MPF-SC, ainda
carente do julgamento de mérito, Cezar Souza Jr. e sua equipe apenas
completaram o serviço iniciado por Dario Berger – o estelionato participativo do PDP, em desserviço à legislação de
planejamento urbano que tem no Estatuto da Cidade seu guardião maior. Como mais
uma vez se comprovou, a existência de leis em profusão no Brasil não garante
absolutamente nada, pois bastante volúvel diante dos interesses dos poderosos
atores que controlam as instâncias do Estado. A forma como o Poder Executivo submeteu
a Câmara Municipal, impondo a ele um ‘rito sumário de votação’ sobre um projeto
dessa dimensão e complexidade, aliado ao fato de a Justiça ter julgado um
recurso dessa importância em questão de poucas horas, é a prova de que há uma
orquestração tácita entre os grupos que hegemonizam esses poderes, fragilizando
a eficácia da aplicação da lei. Na audiência pública municipal convocada pela
CMF se viu o Poder Executivo respondendo as questões da platéia e acatando
emendas ali mesmo, atitude que visivelmente macula o princípio da ‘separação
dos poderes’. E, acima de tudo, macula a qualidade e legitimidade dessas
decisões tomadas no afogadilho, sem análise, sem pareceres técnicos.
Literalmente, uma promiscuidade total na relação entre Executivo e Legislativo,
e que ainda conta com a conivência de setores do Poder Judiciário. Felizmente, em
meio a esse cenário de escárnio para com a cidadania, destaco o corajoso papel
do MPF que tem tomado a si a defesa da lei.
E na entrevista cita acima o presidente da
Câmara Municipal também garantiu que ‘todas as 600 emendas receberão análise
por parte das equipes técnicas da casa e do IPUF’ e concluiu que ‘não tenho
dúvida de que nada que foi apresentado nessas emendas desvirtuará o projeto que
a PMF apresentou’. Vivendo na ilha da magia, sou levado a...
Florianópolis, 05.12.13
Gert
Schinke – Representante Titular Distrital do Pântano do Sul no ex-NGM
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